Fisiopatologia:
A desnutrição energético-proteica (DEP) provoca uma série de respostas
clínicas adaptativas. Somente mais tarde, pela persisténcia das
condições adversas nos seus mais variados graus, a adaptação se
transforma em má adaptação, pondo em evidéncia as manifestações clínicas
decorrentes. Vários mecanismos fisiopatológicos são instalados,
determinando adaptações metabólicas de variadas intensidades,
desencadeados e mantidos por controles hormonais.
O organismo passa a lançar mão de vários mecanismos para sobreviver:
gliconeogénese, glicogenélise e lipílise, passando a ser consumidas
gradativamente a musculatura esquelética (reservatório protéico) e a
gordura corporal, ás custas da manutenção da homeostase. Em resposta ás
baixas concentrações de glicose e aminoácidos, os níveis de insulina
diminuem. Em contrapartida, ou por um estresse infeccioso ou pela
própria restrição calórico-proteica, a adrenal cortical passa a secretar
quantidades aumentadas de cortisol, com consequente liberação de
aminoácidos pelo consumo muscular, a fim de serem usados por órgãos
nobres como fígado, páncreas e intestino. Essa integridade visceral ás
custas desse consumo é característica do marasmo. Quando há
insuficiéncia da adrenal e da utilização do músculo, ocorre quebra do
mecanismo de adaptação, condicionando o kwashiorkor. Há elevação da
secreção do hormónio de crescimento e de epinefrina, condicionando a
lipílise, que libera ácidos graxos e corpos ceténicos como combustíveis
para o metabolismo cerebral.
As anormalidades bioquímicas e manifestações clínicas começam a se
intensificar e predominar no quadro clínico-laboratorial da desnutrição
após a faléncia do processo adaptativo. Somente a partir deste estádio é
que surgem as formas graves da desnutrição.
O marasmo se origina das categorias moderadas da desnutrição
(subnutrição) que continuaram sofrendo uma deficiéncia global de
energia. Acomete crianças geralmente abaixo dos 12 meses.
O kwashiorkor origina-se de formas leves e moderadas que sofreram
deficiéncia de proteína com adequada ingestão de energia em qualquer
idade. A forma seca pode se transformar na edematosa e vice-versa em
certas condições: aumento de perdas protéicas fecais, ocorréncia de
doenças infecciosas.
Fisiologia dos órgãos envolvidos:
Todas as vísceras se apresentam com déficit de peso quando comparadas
com o peso dos mesmos órgãos em crianças não desnutridas da mesma idade.
No páncreas, há inicialmente atrofia das células acinosas e a seguir há
degeneração hialina, os canalúculos intra-lobulares se dilatam e se
inicia esclerose periacinosa intra e perilobular. As ilhotas de
Langerhans estão conservadas em número. Funcionalmente, há diminuição da
amilase, lipase, tripsina e qimiotripsina.
No fígado, pode-se observar esteatose, que consiste na infiltração
gordurosa do fígado, que é tanto mais intensa quanto maior o grau de
desnutrição, sendo mais frequente e intensa no kwashiorkor do que no
marasmo. Quando a desnutrição se corrige, a esteatose desaparece e as
células passam a apresentar aspecto de depleção protéica
temporariamente. Podem ser vistos também infiltrado celular linfocitório
e fibrose. Há diminuição da síntese de sais biliares e de sua
conjugação por causa dessas alterações.
As glándulas salivares apresentam lesões de atrofia, mais intensas e
frequentes nas partidas. Em estágios mais avançados, ocorre infiltrado
celular, aumento do depósito de gordura e mesmo fibrose em torno dos
ácinos atrofiados e frequentemente dilatados. Há prejuízo da mastigação e
deglutição.
No intestino delgado, todas as camadas são atingidas por progressivo
processo de atrofia e consequente redução das respectivas espessuras,
com intensidade crescente no sentido duodeno-ileal. O relevo da mucosa
intestinal desaparece por completo em algumas áreas. Há supercrescimento
bacteriano levando á desconjugação de ácidos biliares, redução dos sais
biliares conjugados, com prejuízo da digestão das gorduras e aumento
dos ácidos biliares livres, que são lesivos á mucosa intestinal e
redução das dissacaridases, especialmente da lactase.
Na pele, a epiderme tem todas as suas camadas comprometidas. A camada
córnea sofre hiperqueratose em zonas, permanecendo trechos da pele com
aspecto normal; a hiperqueratose leva á posterior descamação. Os
capilares mostram-se ingurgitados e cheios de leucícitos, podendo sofrer
roturas e pequenas hemorragias. Na hipoderme, o tecido gorduroso em
geral estão ausente.
No sistema imune, o componente mais comprometido á o celular. Os níveis
de imunoglobulina estão normais ou aumentados, ás custas de infecções
repetidas. Os fatores humorais responsáveis pela fagocitose estão
diminuídos. A produção de IgA em lágrimas, secreção nasofarángea e
intestinal está diminuída.
Avaliação clínica:
O Marasmo é DPC de 3 grau caracterizada por desaparecimento do tecido
subcutáneo, auséncia de lesões de pele, de cabelo e de esteatose
hepética. O aspecto físico é de quem consumiu todas ou quase todas as
suas reservas musculares e de gordura (emagrecimento "seco"). é uma
criança com baixa atividade, pequena para a idade, com membros delgados,
costelas proeminentes, pele solta e enrugada na região das nádegas.
Está sempre irritada, com choro forte e contínuo, além do apetite
variível, pois passa a apresentar anorexia e prostração.
Ocorre mais frequentemente em lactentes (1 ano) que receberam uma dieta
inadequada e globalmente deficiente. As proteínas sóricas (albumina), as
enzimas hepéticas e os minerais são normais.
Kwashiorkor é DPC caracterizada por edema clínico, lesões de pele e
cabelo, esteatose hepótica, hipoalbuminemia, tecido celular subcutáneo
ainda presente, frequentemente diarréia.
Características da desnutrição:
- Apatia mental: a criança nunca sorri, choraminga, raramente responde a está mulos dolorosos ou prazerosos.
- Posição preferencial: encolhido, coberto (frio) e na obscuridade (fotofobia)
- Grande emagrecimento do tórax e segmentos proximais dos membros, com
edema frio, mole, não doloroso é pressão nos seguimentos distais.
- alterações de pele (lesões hipocrámicas alternadas com lesóes
hipercrémicas) dos membros inferiores, que podem ser secas e frias; tipo
xerose - secas, ásperas e sem brilho -; lesées pelagrosas, com eritema,
despigmentação das bordas e descamação; tipo queratose folicular;
fissuras lineares e flexurais; acrocianose; escaras; piodermite
secundária; púrpuras de mau prognóstico.
- alterações de cabelos (finos, secos, quebradiços e facilmente
destacáveis - alopácia). Pode aparecer o sinal da bandeira nas
desnutriçães muito prolongadas, quando o cabelo apresenta faixas de
coloração escura e clara.
- Alterações das unhas: finas, quebradiças, sem brilho e pequeno crescimento.
- Mucosas: língua careca ou com hipertrofia de papilas, retração das gengivas, lábios rachados, sangrantes, lesões comissurais.
- Olhos: alterações de conjuntiva, cérnea com manchas, queratomalócia, xeroftalmia, podendo levar á cegueira.
- Ossos: osteoporose com linhas de parada de crescimento; idade óssea retardada.
- Sistema Nervoso: retardo neuropsicomotor, atrofia cortical e/ou subcortical, timidez, retraimento, irritabilidade
- Hepatomegalia pela esteatose hepética presente.
- área perineal sempre com dermatite e escoriações, devido á diarréia.
- Déficit importante de estatura e massa muscular seriamente consumida, mas tecido subcutáneo e gorduroso conservados.
- Baixas concentrações sóricas de proteína e albumina.
Considerações:
Nas condições adequadas de recuperação nutricional, há reversibilidade
total do déficit da estatura. As más condições ambientais em que vivem
os desnutridos primários, após a alta hospitalar, é que seriam o fator
mais importante do retardo de crescimento, diminuindo a estatura final
desses indivíduos. Entretanto, quando a estatura foi comprometida, não
há normalização total da mesma, o que vai prejudicar especialmente as
mulheres nas gestações e partos futuros. Quando há desnutrição
intra-útero, há grande possibilidade de haver lesoes grave e permanente
do sistema nervoso central. As que ocorrem no período pós-natal podem
ocasionar lesóes permanentes de acordo com o grau da desnutrição, que
são responsáveis pelo retardo de desenvolvimento neuropsicomotor. No
entanto, este retardo pode ser reversível, quando a recuperação
nutricional se faz em condições sócio-culturais favoráveis, com
estimulação psicomotora da criança.
FONTE: http://www.clinicadenutricao.com.br/nutricaoesaudefinal.php?id=919